quarta-feira, 4 de abril de 2007

Entrevista a um órgão de comunicação. Desconhece-se qual

Entrevista (desconhece-se a que órgão foi- Entrevistador identificado com P)- s/data- manuscrita

P. Como encara a situação do jovem escritor em Portugal, isto é, os problemas que tem que enfrentar, desde o tempo para escrever, ao editor a procurar, até à profissionalização- sem falar da busca de si próprio?


J.A.L. A situação de um escritor que começa tem, em Portugal, pela força da própria circunstância limitações como em muitos outros países. Pessoalmente, estou convencido de que a maior dificuldade é aparecer; é porventura vencer a rotina do dia-a-dia e ser editado. Depois, creio que será mais fácil remover os obstáculos.e processual; Na generalidade, muitas das dificuldades que costumam limitar o aparecimento dos escritores novos, têm por base, um complexo estranho de insuficiência ; certa acomodação à rotina que é preciso quebrar-se . E não vejo- além de padrinhos, de capelas ou de dinheiro- outro processo de fugir a essa rotina. Efectivamente os editores portugueses, na generalidade, têm receio de lançar autores novos, dos quais, geralmente, não lêem os originais. E têm esse receio por vários motivos: porque não possuem conselhos de leitura capazes de orientar literária e comercialmente; porque os escritores consagrados, endeusados pela crítica algumas vezes, dão aos editores bitolas nem sempre aferidas por uma evolução técnica; porque têm receio de publicar obras de novos, sobre os quais, como é óbvio, não há críticas orientadoras. E, por estranho que pareça, não é frequente ver a crítica, (refiro-me à crítica portuguesa em geral, em que há felizmente excepções) ser orientadora para o escritor novo, que precisa de saber como é recebido pelo público.
Quanto à profissionalização, não acredito totalmente nela: primeiro porque a literatura em Portugal, não consegue dar a quem escreve- com edições pequenas- grandes possibilidades financeiras; por outro lado, o sentido profissional dá à Literatura um horário de trabalho em que, pessoalmente não acredito. Não se escreve quando se quer, mas quando se está-como diria Pessoa- a um certo nível de desassossego.

P- No caso português, pode o escritor impor-se por si só ou a sua chegada acontece graças a intervenções estranhas, a fortuna pessoal, às influências dos amigos, à moda?

J.A.L. É impossível dizer exactamente quais as determinantes que impõem um escritor. A sua chegada pode, até, ser casual. Na generalidade não é. As relações, a profissão, a fortuna pessoal são grandes argumentos num país como Portugal, onde não há, propriamente tradições de leitura e onde o snobismo ainda marca uma posição de relevo. Esse snobismo transparece na volúpia da leitura do escritor em voga! Houve tempo em que era moda sofrer de apendicite; andar pálido, olheirento, despenteado; ler Flaubert ou Balzac, ou Eça ou Stendhal, ou Camilo. Coisas que acontecem e que marcam o tal snobismo. Mas que passam como passa o sarampo!

P. Será possível definir o caminho do nosso romance? Correspondem as diversas tendência ou caminhos- se os há- aos anseios do homem do nosso tempo?

J.A.L. O romance português parece estar vinculado a uma ideia tradicional de romance de costumes a que já se junta certa dose de crítica social. Todo o romance é romance de costumes, na medida em que reflecte os costumes da época em que se situa. O romance chamado social, etiquetado com vários rótulos, não foge a esta regra. Pode, em algumas épocas valorizar mais determinados elementos, mas, no conjunto, não foge à ideia mestra. O moderno romance português, que se vinculou, de certo modo, à ideia estranha de crítica social, excede-se, por vezes nesta atitude. As situações de crítica social, de reacção aos factores económicos e morais, deram origem a uma literatura de especulação sobre os valores humanos- ou menosprezando-os, ou supervalorizando fenómenos sociais que são de todos os tempos, de todos os países e que, algumas vezes realçados, dão à Literatura uma carreira de proselitismo que, a meu ver, é exagerada.
O romance português tem a característica do próprio povo. Influências estranhas, de correntes também estranhas, só servem para realçar essa virtude.
Quais são os anseios do homem do nosso tempo? Há aqui uma indefinível incerteza, espécie de instabilidade. Essa libração humana, essa tentativa de fixar posições é o melhor incentivo. A paz podre (no sentido artístico, claro), água morna, não servem a literatura como não servem nenhuma outra actividade do espírito. O sentido humano da Literatura é dado por esse conjunto de dúvidas e incertezas, por essa vaga suspeição que é apenas anseio.

P. Quais são as condições mínimas, na sua opinião, para que a obra de qualquer dos nossos escritores possa processar-se normalmente?


J.A.L. O processar de uma obra é assunto demasiado complexo para uma resposta breve. Penso que esse fenómeno é lento, quer em cada livro, quer no conjunto da obra de um autor. De facto, , de imaginá-la a planificá-la, vai um mundo de problemas, e daí a realizá-la vai outro. Se o escritor tem que contar; se porventura não rebusca assuntos nem especula com temas, a obra sai natural. E o autor não pode ser de todo alheio aos personagens, senão no aspecto técnico da construção, da efabulação. Quanto ao mais, tem de estar neles. Deste modo a estrutura é uma linha mestra. Nada poderá limitá-la, porque é humana. De contrário é sempre complicado fazer literatura só para escrever mais um livro- ainda mesmo por contrato. Certas inferioridades em autores de mérito são ditadas, algumas vezes, pelos prazos. Não posso conceber este problema porque já não creio no horário de trabalho. Se esse horário é para estudar ou ler, ainda, enfim... Se é, efectivamente, para escrever, o caso é outro e mais grave. É de admitir que dê uma insinceridade à obra dominada por essa camisa de forças. Há muito quem se esqueça de que existem autores famosos só por uma das suas obras. A quantidade em Literatura é de somenos.


P. Quais os motivos que dificultam a divulgação dos nossos escritores contemporâneos no estrangeiro, e em especial no Brasil? Será que o nosso romance, por exemplo, não tem nível para se projectar além-fronteiras? Porquê?


J.A.L. Creio bem que- além do intrinsecamente necessário para qualquer obra literária poder atravessar fronteiras – necessita de crédito. Pois, é preciso que os problemas dessa obra possam interessar um público fora das quatro paredes da nossa pequena casa lusitana. Efectivamente assim é. Se excluirmos os pormenores de incalculável importância que se passam nos bastidores de algumas traduções – cá e lá, já se vê- o principal argumento está no interesse da obra. E pode ver-se isto entre os autores portugueses traduzidos. Os romancistas estritamente regionais, no assunto e na técnica, encontram por força, maior dificuldade em ser traduzidos. Quanto à expansão dos escritores portugueses no Brasil, o problema é outro....


P. Você que é jornalista, entende que a profissão facilita, dificulta ou completa a sua simultânea condição de romancista?

J.A.L. Só num pequeno aspecto a profissão de jornalista beneficia o romance. Na prática dificulta, efectivamente mais, sem vantagens de contrapartida: pelo consumo de energias sem interesse, pelo poder cristalizador contra o qual tem que se lutar; pela falsa noção de valor que a amizade e a camaradagem podem dar. Em boa verdade, a profissão de jornalista (e eu não serei nunca, verdadeiramente, jornalista, embora trabalhe na redacção de um grande diário) contribui bastante para a acuidade de observação, para a síntese do estilo, etc, etc. Do ponto de vista prático queima vida sem recompensa de qualquer espécie. Além disto, deforma o estilo – oiço dizer com insistência. Mas isso de deformação profissional do estilo é coisa mais demorada de analisar.

P. Que fará depois de A Última Estação?


J.A.L. Está pronto um romance e em preparação um volune de novelas. Mas não tenho pressa. A Última Estação esteve oito anos na gaveta... por falta de editor.


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