quarta-feira, 4 de abril de 2007

Entrevista à Emissora Nacional, dia 12-06-1957

Entrevista lida no “Jornal Sonoro” da Emissora Nacional no dia 12-06-1957


Foram ontem entregues os prémios literários do Secretariado Nacional de Informação relativos a 1956, os quais, desta vez, trouxeram uma revelação às letras portuguesas, um novo nome, praticamente desconhecido, que dá os primeiros passos galardoado com o prémio Eça de Queiroz. Trata-se de Alberto Lopes e o livro premiado “A Última Estação”, que, ao mesmo tempo, é a sua primeira obra de romancista.
Por esse motivo, e porque romance e autor passaram despercebidos ao grande público e até a grande parte dos críticos, a Emissora Nacional quis ouvir o “Prémio Eça de Queiroz 1956” falar do seu livro e dos seus projectos.
Temo-lo aqui junto de nós e como, infelizmente fomos dos que não tiveram ainda oportunidade de ler “A última estação”, vamos pedir a Alberto Lopes que nos fale do seu romance. Está de acordo?

A.L. Com muito gosto, certamente, embora pense que eu deveria ser a última pessoa a falar do meu livro. Em boa verdade, nunca o autor poderá ser bom julgador da sua obra, mesmo dotado de qualidades de auto-crítica, sempre necessárias. Em todo o caso, direi, em resumo, que “A Última Estação” , a que já chamaram romance regional, não tem cenário geográfico, ainda que não pareça. Nasceu no Douro, naquele Douro violento e duro, correndo entre fraguedos. Nasceu da ideia de vida da boa gente do nordeste transmontano. Nasceu, apenas, porque não é essa vida propriamente- mas a que a novelística transformou e plasticisou. E o Douro, em que teoricamente se situa, é um lugar vago e impreciso- necessário, todavia. O tema- como em muitos outros romances da nossa literatura- é o de uma falsa vocação. O assunto foi exposto de modo a dar, sempre que possível, os contrastes flagrantes de três histórias. Os personagens, cujos nomes têm o seu quê de sonoridade, são absolutamente fictícios também, numa trama romanesca fictícia e urdida à volta de duas figuras humanas e sinceras de mulher – a Margarida e a Baetas; de duas figuras, dir-se-ia, desumanas e insinceras- D. Etelvina e Berta; de dois homens sem nível moral- o Ricardo e o Picote; de um mau conselho e de pouco mais. Devo dizer que, o que as personagens da Ùltima Estação fixeram no cenário violento, apocalíptico até, do Douro do nordeste transmontano, poderiam fazê-lo noutro qualquer. Não vale a pena rotulá-las de específicas. Os grandes problemas humanos não têm cenário. São de qualquer época e de qualquer lugar

Acredita na missão do escritor como formador da sociedade em que vive?

A.L. Não há dúvida de que o escritor tem sobre si grave responsabilidade na formação de quem o lê. De quem o lê sem malévolas intenções. O facto de haver leituras recomendadas consoante a idade, não quer dizer que quem escreve não deva ter o cuidado de dar os problemas dentro do seu humanismo; os problemas sociais dentro da sua verdade exacta, sem especulações. Da especulação em literatura, resulta, quase sempre uma falsa informação para o leitor e um certo proselitismo sempre prejudicial.
A literatura de ficção, como o teatro, como todas as actividades intelectuais, deve, a meu ver, ter o seu fundo de crítica. Seu fundo moralizador. Mas crítica construtiva e moral verdadeira. Ainda que pese. E é, acima de tudo condenável desviar factos, em literatura, de modo a afastá-los de uma verdade humana, verosímil. Repito: de uma verdade. Só com o verdadeiro e humano se pode fazer crítica construtiva. E eu estou em crer, até, que só com eles se deve fazer. É também um pouco a missão do escritor.


Sente que alguns escritores portugueses puderam influenciar de algum modo, a sua obra? Quais os seus preferidos?

A.L. Influências propriamente é provável, é natural que haja. Mas não serei eu a pessoa indicada para as apontar. Aliás, se pudesse apontá-las destrui-las-ía. Por outro lado é sentimento natural a um pai diminuir os defeitos de um filho. E um livro é um pouco filho de quem o escreve. É um pouco, efectivamente, na medida em que foi escrito e sentido. O autor não pode ser, de todo, alheio aos personagens, senão no aspecto técnico da construção, da efabulação. Quanto ao mais, ele tem de estar neles. Fala-se muito do valor da experiência pessoal em literatura de ficção. De facto, estou convencido de que, cada um vale o que valer a sua própria experiência. Mas também creio que um romance não se constrói de experiências pessoais. Elas representam um substracto base; são solicitadas...
Dos escritores portugueses da minha preferência, sempre li e reli com satisfação Eça e Fialho. Dos contemporâneos aprecio os bons, que bastantes há. E calcula como seria delicado citar apenas alguns nomes. Creio bem que a obrigação de quem escreve é andar em dia com o que se publica. Embora às vezes isso não seja possível – apesar do movimento editorial não ser muito vasto, é bastante necessário. Digo que não é muito vasto, mas de escritores portugueses modernos, já se vê.


Projectos?

A.L. Eu projectos propriamente não tenho. Em boa verdade, esta afirmação parece gratuita. Toda a gente tem sempre um projecto qualquer ou um ante-projecto. E o escritor não foge à regra. Pessoalmente, apenas poderei dizer que tenho um novo romance pronto e um volume de novelas em preparação. E isto não são exactamente projectos: outros livros, ideias de livros – melhor dizendo- andam sempre na imaginação de quem escreve. Demos tempo ao tempo. Sou contra o profissionalismo em Literatura- e contra os horários de trabalho à Victor Hugo! A Última Estação esteve oito anos na gaveta, por falta de editor, já se vê. Com o próximo não tenho pressa; nem com o livro de novelas. Os livros também precisam de sazonar – como todos os frutos da natureza.

Pensa continuar a sua vida na Imprensa ou projecta dedicar-se exclusivamente a obras de maior fôlego?

A.L. Quanto ao meu afastamento da actividade de profissional de Imprensa, é difícil responder. Efectivamente a Imprensa queima vidas. Beneficia e prejudica o trabalho de ficção. Mas a Imprensa é como os narcóticos. Quem experimenta os fugidios êxitos da Imprensa, cai numa espécie de engrenagem sentimental. E não é facil a libertação. Pode ser que sim , que eu possa libertar-me deste estar preso por vontade. E que possa vir a dedicar-me, não direi apenas, mas com mais tempo, a trabalhar nalgumas coisas que tenho em meio.
Mesmo assim a libertação seria sempre incompleta, porque no aspecto puramente técnico, Literatura e Jornalismo andam de mãos dadas.

1 comentário:

mill disse...

é estranho ler o avô
nunca o tinha lido na 1ª pessoa.